domingo, 3 de abril de 2016

Lembranças alheias: café

— Mais parece que no lugar do coração tenho, hoje, meio quilo de carne moída.

— Que drama — Alice falou sem preocupação, afinal já estava acostumada com excesso de poesia ruim que as dores de cotovelo de Mariana produzia. — Segue adiante.

Maria, que olhava seu café esfriar, não manifestou descontentamento. Sabia que Alice tinha razão. Estava em uma situação em que não podia fazer nada. Era mais uma dor de cotovelo, já tinha sentido tantas outras. E não tinha convicção, como antes, para eleger essa como a pior da sua vida. Bem verdade que não achava que fosse. Ainda tentava entender se as dores tinham diminuído ou se ela tinha ficado mais resistente. De qualquer forma, não considerava nada disso um grande alento. O tempo e a repetição só a faziam sentir que tudo aquilo era uma grande perda de energia e se o sofrimento não era tão grande, o que apertava o peito era a inutilidade.

Depois de um suspiro, Maria pensou em como seus sentimentos já não tinham qualidade e confessou:

— Mais parece que no lugar do coração tenho meio quilo de carne moída. De segunda.
 

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